O período de expansão da pesquisa de mercado no Brasil, caracterizado pelo aumento do número de empresas desenvolvendo a atividade e ao correspondente aumento do volume de negócios realizados, acompanha transformações que ocorriam na economia e na sociedade brasileira, em especial os processos de industrialização e de urbanização, que resultaram na construção de um mercado consumidor de massa no país.
Desde a década de 1940, ainda sob o governo ditatorial de Getúlio Vargas, havia no Brasil um esforço de construção de uma indústria de base com capital nacional no país. Getúlio aproveitou a posição geográfica estratégica do Brasil durante a Segunda Guerra para negociar o apoio brasileiro aos aliados, condicionado entre outras coisas a investimentos americanos na siderurgia nacional.
Assim, com financiamentos americanos e fundos do governo brasileiro, foi inaugurada em 1946 a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em atividade plena a partir de 1948, a CSN marca o início da autonomia brasileira na produção de ferro e aço.
Dentro do mesmo esforço, agora dentro da normalidade democrática e sob o mesmo Getúlio Vargas, é fundada a Petrobrás em outubro de 1953, após enorme campanha cívica ‘O Petróleo é Nosso’, que envolveu todo o país.
A instalação dessas indústrias de base foi fundamental para permitir ao país o salto industrial que se iniciou na segunda metade da década de 1950 com a eleição de Juscelino Kubitschek e sua política desenvolvimentista caracterizada pelos ’50 anos em 5′. Entre outros setores, foi o início da indústria automobilística nacional. E também uma aceleração no caminho do país rumo a uma sociedade urbana de consumo de massa.
Estes processos de industrialização, urbanização e consumo de massa estão profundamente ligados, impulsionando uns aos outros. As indústrias eram instaladas em regiões onde havia capital disponível (no caso brasileiro, vindo especialmente do café e do governo) e alguma infra-estrutura, atraindo mão-de-obra (oriunda das regiões rurais, impactadas pela modernização técnica da produção rural) e estimulando um incipiente mercado consumidor, bem como a indústria da construção civil, do comércio varejista e de serviços.
Outro vetor de urbanização foi a intervenção governamental. O desenvolvimento das cidades era visto de forma estratégica, não só do ponto de vista de desenvolvimento de um mercado capitalista no Brasil, mas também como forma de integração nacional e de manutenção do enorme território brasileiro. Neste sentido foi a construção de Brasília e mudança da capital federal para um então longínquo interior do país.
O resultado de todo esse processo foi a transformação do Brasil em um país predominantemente urbano já na primeira metade da década de 1960. E, ao mesmo tempo, o surgimento de dois tipos de desafios: a gestão das grandes cidades e das regiões que entraram em decadência, excluídas do processo industrial.
Por outro lado é uma década de turbulência política, com a renúncia de um presidente, fracassada experiência parlamentarista, deposição de outro presidente com o golpe militar de 1964 e instauração de um regime ditatorial que se aprofunda a partir de 1968.
Sob impulso destes processos, o mercado de pesquisa se expande ao longo das 3 décadas seguintes, a partir de dois grandes impulsos: o desenvolvimento de áreas de pesquisa dentro de agências como J.W. Thompson, Lintas, Alcântara Machado, entre outras até o final da década de 1970 e o surgimento de novas empresas, muitas que foram balizadoras do desenvolvimento da pesquisa nas décadas seguintes. Algumas das instituições mais simbólicas desse período foram:
· 1967 – o instituto fundado por Carlos Mateus filia-se à Gallup Internacional – uma rede de pesquisadores do mundo todo que compartilhavam técnicas e experiências. Seu negócio principal era o desenvolvimento de pesquisas de opinião pública.
· 1967- Mavibel – o instituto de pesquisa criado a partir do departamento de pesquisa da Gessy Lever e que iniciava o atendimento para outros clientes.
· 1967 – Criação do Instituto Demanda por Silvio Pires de Paula
· 1967 – Creation of Institute Demanda by Silvio Pires de Paula (versão em inglês)
· 1969 – Instituto AZZI e MARCHI que reunia Artur Cesar, (pesquisador da J.W. Thompson) Rodolpho Azzi (psicólogo) e Álvaro Marchi (estatístico) – professores universitários que vieram para a pesquisa de mercado para sobreviver diante da perseguição política. Embora essa empresa tenha durado pouco tempo, sua atuação criativa e engajada foi marcante e proporcionou a formação de excelentes pesquisadores nos profissionais que passaram por ela.
· 1969 – A LPM (Levantamentos e Pesquisas de Marketing) foi fundada por Pergentino Mendes de Almeida e sua esposa Dilma de A. Mendes de Almeida, inicialmente com a parceria de Júlio César Vercesi.
· 1969- a LINTAS, ‘house agency’ da LEVER contrata a Eugênia Paesani uma socióloga e pesquisadora que também teve um papel marcante no desenvolvimento técnico da pesquisa, na formação de uma equipe de talentosos pesquisadores e na criação das entidades de classe.
· No final da década de 60 chega ao Brasil a norte americana Nielsen, que a partir de 1972 oferece o serviço de ‘Store Audit’ ao mercado brasileiro, competindo e ocupando o espaço dominado desde os anos 1950 pelo Ipom e Inese.
· Em 1972 A Alcântara Machado Publicidade contrata os serviços do psicólogo e pesquisador norte americano Alan Grabowsky que desenvolve e batiza várias técnicas de pesquisa. Em pouco tempo a agência tem o maior departamento de pesquisa de todas as agências.
Dentro destas empresas, buscando o melhor caminho para entender o comportamento do consumidor e criar diferenciais no mercado em crescimento, começam a ser feitos estudos inovadores e pioneiros no país tais como:
· clínicas de automóveis em 1964, teste de conceitos antes de teste de produtos em 1966 realizados pelo Inese;
· início das pesquisas motivacionais ou qualitativas com a realização por Pergentino Mendes de Almeida e Julio Cesar Vercesi da técnica de discussão em grupo em 1964. Essa nova metodologia que fazia sucesso nos EUA e Europa para avaliação de campanhas publicitárias trazida como uma “arma secreta” pela Lintas;
· em 1968 a J.W. Thompson inaugurou a primeira sala para discussões em grupo com espelho espião na sua sede em SP seguida por vários institutos e agências nos anos seguintes;
· Em 1967/ 68 a invenção do TEVEMETRO por Hélio Silveira da Mota que revoluciona o monitoramento da audiência de TV e cria as condições para o desenvolvimento do serviço de Audi TV que será oferecido pelo Ipom;
Alguns nomes de destaque na pesquisa durante a década de 60 foram Alfredo Carmo, Arthur César, Pergentino Mendes de Almeida, Paulo Pinheiro de Andrade, Maxime Castelnau, Julio Cesar Vercesi, Rodolpho Azzi, Álvaro Marchi entre outros.
O fim da década de 1960 e início da década de 1970 é o período do “milagre brasileiro”, vigorosa expansão da economia brasileira em que o PIB chegou a ultrapassar o crescimento de10% em alguns anos e mantendo um crescimento médio de 6,5% após o primeiro choque do petróleo (1974). No período compreendido entre 1970 e 1979, a taxa média de crescimento da economia foi de 8,9% ao ano.
O governo adotou medidas de inspiração keynesiana, aumentado o investimento nas empresas estatais e em investimentos na indústria pesada, siderurgia, petroquímica, construção naval e geração de energia hidrelétrica. Com isso, o crescimento da produção de bens duráveis de consumo no Brasil daquele período alcançou a taxa média de 23,6% ao ano, e o de bens de capital 18,1%. O consumo de energia elétrica cresceu 10% ao ano, as montadoras de veículos produziram, em 1970, três vezes mais carros de passeio que em 1964.
Ocorreu, durante todo o período do ‘Milagre Brasileiro’, um dos maiores fluxos migratórios da história do país, impulsionando ainda mais o crescimento das cidades e seu mercado de consumo.
A TV se torna o meio de comunicação de grande importância aumentando sua participação no bolo publicitário. Em 1972 a Rede Globo começa a transmitir em cores e 1975 inicia a transmissão nacional via satélite.
Nesse momento o mercado de pesquisa continua sua tendência de crescimento com a criação e ampliação dos institutos.
Começa então a ficar clara a necessidade de se estabelecer parâmetros para atuação profissional e nos primeiros anos da década de 1970 ABIPEME (Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado) sob o comando de Otávio da Costa Eduardo reunindo os Institutos Representativos do mercado na época: LPM, IBOPE, DEMANDA, IPOM, entre outros.
Uma das questões importantes para a associação era definir um critério de classificação econômica unificado de forma a permitir a comparação de resultados de pesquisas realizadas em locais diferentes, por empresas diferentes, em períodos diferentes. Até 1969 cada instituto de pesquisa desenvolvia e usava um critério próprio, gerando dificuldade para os clientes.
Em 1970 foi criado um critério pela ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) que dividia a população em quatro classes. Em 1974, como parte do esforço de criação da ABIPEME este critério ABA foi revisto, sendo criado o critério de classificação social ABA/ABIPEME, segmentando a população bfasileira em oito classes econômicas.
O mercado em crescimento atrai o interesse de empresas de outros países para se associar às empresas nacionais. Em 1973, a LPM de Pergentino Mendes de Almeida, se associa à Burke International Research Corporation e cria o DAR (day after recall) metodologia implantada dos EUA de pesquisa de recall de propaganda. em 1977 desenvolve estudos de avaliação da lembrança de outdoor junto com a Central de outdoor.
A partir da década de 1970 também se dá a ‘explosão’ da pesquisa qualitativa. De ‘arma secreta’, novidade e modismo no final dos anos 1960, passa a ser incorporada como técnica complementar aos estudos quantitativos nas pesquisas de mercado sendo desenvolvida e aprimorada até os dias atuais.
Mas o final da década de 70 também marca a mudança nas agências de publicidade. Estas, que foram grandes escolas de pesquisa nos anos 60 e 70, decidem focar seus negócios no ‘core business’, reduzindo ou eliminando suas áreas de pesquisa. Este movimento das agências fez com que diversos profissionais qualificados fossem levados a abrir seus próprios institutos de pesquisa para continuar atendendo seus clientes das agências.
Movimento semelhante foi feito por grandes empresas que possuíam áreas internas de pesquisa. É o caso da Mavibel, um departamento da Gessy Lever que já ganhara alguma independência para atender outros clientes e, em 1986, junto com mais onze departamentos de pesquisa da Lever mundial é vendida ao Grupo Ogilvy e se torna a RI (Research Internacional). A RI foi, até a virada do século, uma grande formadora de mão de obra e a grande empresa de pesquisas ad-hoc do país, ao lado da Nielsen nas pesquisas de store audit e do Ibope nos estudos de mídia e opinião pública.
Durante os anos 70 diversos pesquisadores tiveram destaque na atividade, entre eles: Eugênia Paesani, Carlos Matheus, Alan Grabowsky, Hilda Wickerhauser, Gerson Danelli, Homero Sánchez entre muitos outros.
A crise do petróleo provocou uma aceleração da taxa de inflação no mundo todo e principalmente no Brasil, onde passou de 15,5% em 1973 para 34,5% em 1974. A balança comercial brasileira, a partir de 1974, apresentou enormes défices causados principalmente pela importação de petróleo. No final dessa década, a inflação chegou a 94,7% ao ano; em 1980 já era de aproximadamente 110 %, e em 1983 alcançou o patamar de 200%.
A dívida externa brasileira chegou a US$ 90 bilhões. Para pagá-la, eram usados 90% da receita oriunda das exportações, e o Brasil assim entrou numa fortíssima recessão econômica que duraria até a década de 1990.
Além da crise econômica que gerou a denominação de ‘Década Perdida’, os anos 1980 são lembrados também pela redemocratização do país. Desde o início da década são criados novos partidos além de PMDB e ARENA, os dois partidos mantidos durante o regime militar. Em 1984 eclode um dos maiores movimentos populares da história do Brasil, as ‘DIRETAS JÁ’, pedindo a instauração de eleições diretas para presidente da república. Apesar de não atingir esse objetivo, é eleito pelo congresso o primeiro presidente civil após mais de duas décadas e, em 1998, é promulgada uma nova constituição. E, no final da década, é realizada a primeira eleição presidencial deste novo período democrático.
O mercado de pesquisa está consolidado, com profissionais de alto nível técnico e com institutos dos mais variados tamanhos e perfis. Crise econômica e concorrência fazem deste um momento difícil para grande parte das empresas. O Plano Collor, na virada da década de 1908 e 1990, buscando controlar a inflação, retirou de circulação grande parte dos recursos da sociedade e das empresas. Muitas empresas de pesquisa reduziram suas atividades ou entraram nos anos 1990 em situação financeira bastante crítica.
Em 1981 é criada a SBPM , entidade de pesquisadores que promovia cursos, palestras para ajudar a formação de pesquisadores. A entidade passou por várias crises ao longo destes anos, mas ainda tem atuação destacada no setor.
Dentre os pesquisadores de destaque nesta década, entre outros, estão Nelsom Marangoni, Aurora Yasuda, Jaime Troiano e Paulo Secches.
Ao longo desta década surgem também empresas de pesquisa com posicionamentos diferentes das empresas mais tradicionais, buscando aproximar os resultados das pesquisas com os problemas e decisões de negócio dos clientes. Em muitos casos eram formadas por profissionais de perfil e origem distintos dos pesquisadores tradicionais, sendo que algumas destas empresas tiveram bom crescimento ao longo da década de 1990 e foram a porta de entrada de multinacionais na década seguinte. Dentre outras, podemos citar:
· A Indicator criada como um departamento de inteligência de mercado de uma empresa de publicidade e que se mostrou mais interessante como negócio que a própria agência tornando-se uma empresa de pesquisa em 1987.
· Interscience criada em 1983 como um desmembramento do departamento de pesquisa de uma empresa de publicidade (CBBA) que levou consigo os projetos em andamento na agência.
· Novaction em 1989 criada por Pedro Fernandez um estatístico acadêmico que já fazia consultoria para empresas, em associação com uma empresa francesa com o objetivo básico fazer previsões de potencial de mercado para novos produtos.
Convivem e competem com as chamadas ‘boutiques’ empresas menores em geral identificadas com seu dono-pesquisador já sinalizando o conflito de modelos de negócio que se tornará característico do momento de transição.