O início do período de transição de um mercado caracterizado por empresas nacionais para o predomínio dos grandes grupos globais de pesquisa de mercado pode ser identificado com o momento de ruptura da ABIPEME (Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado), como organização única de representação das empresas de pesquisa de mercado e a conseqüente criação da ANEP (Associação Nacional de Empresas de Pesquisa), em 1991.
O fator explícito que desencadeou a ruptura esteve ligado à revisão do Critério ABIPEME de Classificação Social. A questão aparece inicialmente sob um ponto de vista de divergências técnicas, mas aprofundando a discussão percebe-se na verdade um profundo abismo relacionado a duas visões da pesquisa de mercado: pesquisa de mercado como conhecimento ou como negócio.
Esse abismo já pode ser percebido no próprio nome das duas organizações. Enquanto a primeira era uma entidade de ‘Institutos’, a segunda era uma organização de ‘Empresas’. ‘Instituto’, neste contexto, remete mais para o mundo da academia, enquanto ‘Empresa’ remete para o mercado.
Outra característica dessa separação era a forma de lidar com o faturamento das empresas. Na ANEP os associados eram obrigados a declarar anualmente o faturamento de suas empresas. Esta era uma métrica importante para que as empresas comparassem seus desempenhos. Já na ABIPEME, seus associados não podiam divulgar seus faturamentos. Claramente a métrica era outra, ligada ao conhecimento técnico.
É claro que as empresas que classificadas como ‘Conhecimento’ estavam no mercado, atendiam clientes, buscavam resultado financeiro, etc. Mas este não era seu fim maior. A remuneração era uma forma de viabilizar a produção de um conhecimento profundo que fornecesse às empresas proximidade com seus consumidores.
Normalmente eram gerenciadas por profissionais vindos de carreiras técnicas em pesquisa de mercado nas grandes estruturas das agências de publicidade, em grande parte com formação em ciências humanas: sociologia, antropologia, psicologia, etc. Em função disso, valorizam muito o aspecto conceitual da entrega das pesquisas. Não se entregava apenas dados ou informações para a tomada imediata de decisão, mas sim um conhecimento do mercado e das motivações profundas do consumidor que permitiam às empresas definirem estratégias de negócios. A pesquisa sobre o “Chocolate”, desenvolvida por Alfredo Carmo é o grande exemplo dessa entrega.
É bastante recorrente no discurso destes profissionais que eles ‘não queriam se transformar em empresários’. Acabaram empresários em grande parte pelo desmantelamento das estruturas das agências e, como tinham grande qualificação técnica e conceitual e um conjunto de relacionamentos com os clientes, acabaram construindo suas empresas para atender a estes clientes.
Por outro lado, as empresas com uma orientação para ‘Negócios’ já tinham claramente a visão de que eram e queriam ser empresários no sentido de que o produto de sua atividade de pesquisa de mercado tinha como objetivo auxiliar as empresas cliente a conhecerem seus consumidores e tomarem decisões, mas deveriam, ao final, gerar um resultado financeiro, preferencialmente crescente.
Em alguma medida estas empresas eram gerenciadas por profissionais sem histórico técnico em pesquisa, quando muito como usuário em alguma empresa cliente, com formação mais ligada à área de administração.
Mesmo reconhecendo a importância da qualidade da coleta dentro da sua atividade, em função da credibilidade do resultado do estudo, estas empresas não apontavam a mesma importância a este aspecto dada pelo outro grupo, onde a qualidade de campo era questão primordial. O foco para o grupo voltado para “Negócios” estava muito mais no uso da informação do que na sua coleta. E esse uso de forma bastante aplicada, distante da preocupação conceitual dos demais.
Estas empresas vão buscar parceiros internacionais para trazer ao Brasil técnicas de pesquisa – produtos – para responder a diversos fins. Alguns deles nem mesmo eram considerados como ‘pesquisa’. Sem comprometimento com a técnica, podiam romper com seus limites anteriormente estabelecidos.
Aqui não se trata de apontar que grupo tinha mais ou menos razão. São apenas identificações de duas lógicas diferentes, senão opostas. Que não puderam conviver dentro da mesma entidade de representação.
O quadro abaixo resume algumas das características de cada um destes dois modelos de negócio de pesquisa de mercado.
Nesta década, alguns nomes de destaque foram Pedro Fernandez, Pierre Cohen, Eduardo Schubert, Álvaro Ferraz, Orjan Olsen, Nelson Acar, entre outros.